Como minha última postagem falou sobre os conectores na hora de se produzir uma boa narrativa (ou melhor, o cuidado que devemos ter ao usá-los - leia: O perigo dos conectores), decidi colocar mais um conto de Carlos Drummond de Andrade no blog para o pessoal acompanhar. Acho que a linguagem simples mostrará bem as coisas de que falei no meu último texto. Além disso, é exatamente o tipo de conto que eu gosto: surpreendente e apelando um pouco para o absurdo, sempre com bons toques de humor. Acho que vocês irão gostar!
Nota: a obra foi retirada do livro Contos Plausíveis (se quiser saber mais sobe a obra, clique aqui)
No Interior da Baleia
Havendo a lei de Moisés autorizado que se comessem, dentre os animais habitantes das águas, aqueles providos de barbatanas, o pobre pescador, ao divisar uma baleia, dispôs-se a ingeri-la. Guardaria em seu casebre o que sobrasse da refeição, e devia ser muito, para ulterior aproveitamento.
A baleia, aparentando ser de boa índole, mostrou-se disposta a satisfazê-lo, mediante contrato. Ela também sentia fome, e por isso começaria comendo o pescador, que, já no seu ventre, a iria comendo pouco a pouco. A proposta foi aceita, e o animal, atenciosamente, evitou mastigar a carne do contratante, que por sua vez prometeu ser gentil na manducação interna.
O ventre da baleia era tenebroso, atravancado de volumes que incomodavam o pescador. Eram formas que se moviam, e ele distinguiu entre elas seres vivos, homens e peixes ansiosos por libertação. Estavam todos reduzidos a cativeiro, por haverem prestado fé à palavra da baleia. O pescador percebeu que devia incorporar-se ao grupo na tentativa de buscar o caminho de saída, fosse ele qual fosse. Mas os que estavam lá dentro havia muito tempo, declarando-se sem forças para agir, acharam de bom aviso devorar o pescador, para que melhor enfrentassem a situação. O que foi feito, apesar de seus protestos.
1 Comentários:
Oi, Leo.
Sabe que esse conto me fez recordar daquele seu conto "Estranhos"? Que baleia mau caráter! Atraiu, seduziu e engodou o pobre pescador, feito a velhinha do conto que citei. Pobre pescador, pobre rapaz... E muitos andam caindo nas lábias das baleias da vida, como se o caminho aparentemente mais fácil fosse realmente o mais curto.
Grande abraço!
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