Cizenando Cipriano - @cizenando_ - é colaborador do Na Ponta dos Lápis; jornalista da área esportiva, com passagens por MB Press (UOL e IG), LANCE! e Rádio Nacional. Você pode encontrar mais textos do autor, com algumas pitadas humorísticas, no blog Pau Na Mesa.
Sonho gelado
A noite já dança sensualmente entre luas, olhares e esbarrões. Porto seguro, a mesa de bar é a casa do boêmio. Entre encontros originais, alegrias desdobradas e tristezas destiladas, nascemorrem madrugadas e sonhos, enquanto sobrevive a ilusão. No copo úmido, a ideia vem lenta como o próximo gole: por que não? É a pergunta fatal.
O vão entre o brilhantismo e a estupidez, dizem, é de 20 andares. Como só esteve em um dos lados da equação, ele não pode confirmar a tese. Reunido com os amigos, deixa-se levar pela possibilidade antes desejada, há pouco palpável e agora real: com a experiência de quem já transitou dos botequins mais vagabundos às franquias assépticas, tinham condições de abrir seu próprio bar.
Nada mais perfeito do que fazer do prazer uma fonte de renda, não? E, ainda, após tantos golpes de água fria nos pés e ofertas de retirada das mais sutis às mais grosseiras, manteriam a porta de ferro levantada pelo tempo que desejassem – a sua política é que imperaria em sua casa, afinal. Brinde feito, e repetido, e repetido, e repetido, plano iniciado. Sobreviveria a algumas horas de sono?
Sobreviveu. E entre tentativas de lembrar as geniais estratégias de marketing e administração, pensavam no local ideal para instalar o pequeno botequim. O grupo divergiu por poucos minutos, até brotar o consenso pela tradição, apesar da concorrência: projetavam que o conhecimento da arte da boêmia e dos anseios dos boêmios tornaria sua casa um ponto de referência.
Mais uma gelada aberta para comemorar e os cenários foram se desenhando como petiscos exibidos no balcão. O primeiro de tudo: como seria a relação com seus produtos? O ponto de partida é que não poderiam ficar sem beber, é claro. Mas beber o que precisavam vender? Só consumir na concorrência – então, qual o sentido de ter um bar? Uma cota de consumo – mas qual? E foram copos e mais copos nesta discussão...
O primeiro impasse lhes colocou diante do dilema capital: o lucro corrompe o prazer. Tornarem-se burocratas da boêmia parecia-lhes um crime. E colocar as raposas para cuidar do galinheiro, como se dizia antigamente, não parecia um investimento fadado ao sucesso. A sensação de ressaca tomou a todos quando acordaram do sonho perfeito.
Amigo, mais uma aqui, por favor. “No shopping Center, alegria artificial. No bar, tristezas sinceras”, dizia o poeta na mesa ao lado.
5 Comentários:
Cartola teria se livrado de uma boa caso seguisse o exemplo dado acima e não tivesse aberto o Zicartola. Mas ele pensou: "Sou sambista, gosto da noite e de beber, tenho dezenas de amigos na mesma condição, será um sucesso". Até foi, mas de curta duração; a parte financeira, pouco ou nada cuidada, pôs a realização abaixo. Tivesse ficado só na ideia...
Só não concordo com "O vão entre o brilhantismo e a estupidez é de 20 andares". Melhor "O vão entre o brilhantismo e a estupidez é da largura de um fio de cabelo".
Para não deixar passar, as citações, que acabaram não sendo registradas. No meu texto anterior, há uma de trecgo de poema do português Mário de Sá-Carneiro; neste, a frase é do também poeta Sérgio Vaz, este brasileiro.
Sempre boa a lembrança do Zicartola, Marcio. Mas, talvez com o olhar "do futuro" e otimista, fica a herança de um lugar que foi palco ou semente de pedras fundamentais não só do samba como da cultura brasileira.
Abraços
Adorei a frase "O vão entre o brilhantismo e a estupidez, dizem, é de 20 andares." Em algumas pessoas, chega a ser o Empire State... Ótimo conto.
O World Trade Center tinha
110 andares
500 metros de altura
2 torres
que caíram ao rés-do-chão
em pouco mais de uma hora
Pretensões chegam às alturas
Verdades são pisadas por alpercatas
todos os dias
que passam e deveriam nos deixar
tão somente
com sorrisos nos lábios
enquanto ainda temos, mesmo que mortos
fios de cabelo
Realmente, as expressões são tudo! Elas dão uma vida absurda ao conto.
Adorei essa passagem: "Entre encontros originais, alegrias desdobradas e tristezas destiladas, nascemorrem madrugadas e sonhos, enquanto sobrevive a ilusão."
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