A primeira pessoa
Após derramar a última gota de café na pia, Donatelo logo se colocou diante da mesa de seu escritório. Ali, começava a melhor parte do dia, um momento apenas seu, um diálogo entre ele e as folhas de papel. Era até engraçado pensar na maneira como aquelas folhas em branco eram capazes de o fazer se expressar, de o fazer escrever sobre coisas que jamais comentaria com outras pessoas. Não havia, de fato, melhor psicanalista. Aliás, nem gostava muito de médicos.
Naquele dia, sentava-se para rascunhar o seu primeiro conto em primeira pessoa. Sentia-se até um pouco nervoso; afinal, como era peculiar aquele tipo de narração! Por um momento, chegou a recuar, puxou a lapiseira, deixou escapar um olhar oblícuo em direção às folhas em branco na escrivaninha. Era estranho. Como poderia ele escrever como outra pessoa? Sentia que estaria a contar uma mentira, mas também não lhe parecia confortável narrar algo sobre si. Como poderia fingir ser outro?
Ainda intrigado, levantou-se e se sentou em sua velha poltrona verde. Talvez os versos de Pessoa estivessem corretos - e como não estariam? -, ele pensou; talvez não restasse verdade na escrita e nem na poesia. Também era possível que estivesse exagerando, e ninguém mais do que ele sabia bem disso; era um homem muito meticuloso e pensativo.
Após algum tempo de ponderação, começou a escrever em terceira pessoa. Quando terminasse a história e seu personagem estivesse finalmente criado, poderia narrar como ele, pois só então o teria verdadeiramente conhecido.
6 Comentários:
Adorei. Realmente Donatelo é uma pessoa singular. Aprecio muito esses contos curtos, e os da série Donatelo são deliciosos. Parabéns Leo.
A propósito, aproveito para convidar a todos para visitarem meu blog (http://pessoailtda.blogspot.com). Lá estão publicados alguns contos de minha autoria. Obrigado.
Nossa, Leo, que incrível! Eu sou mesmo muito parecida com esse teu Donatelo. Não que eu pense nessa coisa de verdade ou mentira, mas cheguei a escrever tudo em terceira pessoa para depois voltar e passar à primeira. (Hahaha!)
Você disse coisas tão profundas... "Ali, começava a melhor parte do dia, um momento apenas seu, um diálogo entre ele e as folhas de papel." e "Não havia, de fato, melhor psicanalista." - perfeito! Como estudante de gastronomia, busco sempre aliar a leitura ao meu ofício, procuro textos em que os personagens traduzam as sensações de um verdadeiro cozinheiro. Você fez isso quanto às sensações de um escritor - apenas um escritor poderia.
Vê se termina logo essa série e lança o livro. Já estou na fila para comprá-lo.
O conto está show, parabéns!
Um conto que tem uma mensagem muito legal, Leonardo. A preocupação de Donatelo em não ser um "mentiroso", em querer fazer seu trabalho bem feito, apesar das ponderações de Fernando Pessoa. A solução que ele encontra é muito original.
Parabéns! Um abraço!
Pô tava ansioso pra saber o que aconteceu depois da xícara de café...hehe
Donatelo é uma série bem legal...Mostra um pouco da introspecção e do processo criativo de todos que buscam se expressar através das palavras.
"Keep it up dude"
Leonardo passei para conhecer seu blog ele é not°10, show, espetacular, muito maneiro com excelente conteúdo você fez um ótimo trabalho desejo muito sucesso em sua caminhada e objetivo no seu Hiper blog e que DEUS ilumine seus caminhos e da sua família
Um grande abraço e tudo de bom
Valeu cara, fico muito feliz mesmo que tenha gostado do blog. Sempre me esforço pra trazer um conteúdo legal pro pessoal. E volta e meia solto meus textos por aí.
Bem legal ter o reconhecimento de um leitor.
Abraço!
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