Este livro, assim como Jerusalém, difere muito da tônica presente em outra coleção muito boa do autor, chamada O Bairro. Enquanto em O Bairro vemos um Gonçalo mais lúdico, que traz a reflexão por meio de histórias mais irônicas e leves, quase brincadeiras, na coleção O Reino ele busca investigar o ser humano, expô-lo de maneira nua e crua, mesmo que isso gere textos mais pesados. É exatamente isso que está presente em Um homem: Klaus Klump. A história se passa em um país invadido pela guerra. Klaus é um homem que optava por se manter afastado de todos os conflitos, um covarde. Porém, ao longo do livro, tudo muda, e nosso personagem principal se torna um inimigo dos invasores; torna-se mais forte, pois só assim pode lutar contra a força de outros povos. Como é dito na contra-capa do livro: "Um homem: Klaus Klump é um livro sobre muitas coisas, mas essencialmente sobre a força. A força dos fortes e a força dos fracos que se tornam fortes".
Mas não pensem que se trata de uma história heróica de um personagem que se opõe a uma invasão. O livro trata de pessoas, de seres humanos, e Klaus se torna um homem um tanto quanto obscuro também. De uma maneira geral, a ação se passa de uma maneira até muito rápida no livro. As coisas acontecem, mas sem tanta relevância, é tudo muito rápido. O foco é justamente na mudança de cada um dos personagens, nas reflexões sobres os terrores da guerra, sobre as reações dos seres humanos em uma situação limite como esta. Enfim, é um livro sobre a humanidade, o que ela tem de bom e o que tem de muito ruim. Como disse, quem ler certamente repensará muitos conceitos.
Faço uma última ressalva, porém. A narrativa é bem particular, bem fragmentada mesmo. Eu particularmente acho isso espetacular, e acho a forma de o Gonçalo conduzir seu texto fantástica. Mas devo admitir que muita gente pode não se habituar a ela.
Abaixo, segue um trecho do livro que acho simplesmente incrível. Veja como é descrito o simples ato de o personagem estar com a mão no bolso:
"As mãos no bolso de Klaus. Como era estranho seu gesto de esconder as mãos nos bolsos. As mãos e os olhos eram o fundamento da guerra: sem mãos é impossível odiar, odeias pela ponta dos dedos, como se estes fossem o canal habitual e único de uma certa substância química má. As mãos nos bolsos são um processo de educar o ódio, processo lento quando comparado com aquele bem mais forte que é a ambutação dos braços. Mas só com as mãos nos bolsos os homens já acalmam.
"Com as mãos nos bolsos um homem percebe que não é Deus. Não se chega às coisas. Se tocares no mundo com a cabeça obterás desse toque sentimentos secundários; afastados de uma intensidade mínima a que a existência das mãos te habituou. As mãos tornam-te intenso. O obsceno - isso mesmo -, o obsceno que é o homem na guerra, mesmo que numa pausa, põe provocadoramente as mãos nos bolsos. Assumir que não se é Deus em momento de guerra é acto corajoso, e por estranho que pareça, o único divino. Só os cobardes fingem que são Deus.
"Mas por momentos a vida de Klaus perde os seus órgãos inteligentes, os órgãos máximos do raciocínio que são as mãos. Órgãos especializados nesse instinto primário que é sobreviver: instinto primário e também instinto último a largar um corpo. Com as mãos nos bolsos Klaus não pode deixar de parecer um imbecil, um homem que não pensa".
(e o texto segue, por mais um tempo, nessa reflexão em relação às mãos, falando do combate corpo-a-corpo e outras coisas; é uma passagem realmente magnífica, e apenas ela já valeria a leitura do livro, na minha opinião)
"Com as mãos nos bolsos um homem percebe que não é Deus. Não se chega às coisas. Se tocares no mundo com a cabeça obterás desse toque sentimentos secundários; afastados de uma intensidade mínima a que a existência das mãos te habituou. As mãos tornam-te intenso. O obsceno - isso mesmo -, o obsceno que é o homem na guerra, mesmo que numa pausa, põe provocadoramente as mãos nos bolsos. Assumir que não se é Deus em momento de guerra é acto corajoso, e por estranho que pareça, o único divino. Só os cobardes fingem que são Deus.
"Mas por momentos a vida de Klaus perde os seus órgãos inteligentes, os órgãos máximos do raciocínio que são as mãos. Órgãos especializados nesse instinto primário que é sobreviver: instinto primário e também instinto último a largar um corpo. Com as mãos nos bolsos Klaus não pode deixar de parecer um imbecil, um homem que não pensa".
(e o texto segue, por mais um tempo, nessa reflexão em relação às mãos, falando do combate corpo-a-corpo e outras coisas; é uma passagem realmente magnífica, e apenas ela já valeria a leitura do livro, na minha opinião)
Enfim, fica a dica de leitura. Tenho certeza de que muita gente aqui irá gostar. Mas também, como sempre digo, se forem começar a ler textos do Gonçalo, iniciem pelo livro O Senhor Brecht, da coleção o Bairro. A partir dele, já ficará clara a maneira singular que tem o escritor de conduzir sua narrativa. Além disso, é um livro pequeno, que pode ser lido em cerca de uma hora.
4 Comentários:
Leonardo, foi pela matéria sobre Gonçalo M. Tavares que acabei comprando Jerusalém.
Eu já era fã de Saramago, mas com a sua morte fiquei "órfão" de escritores portugueses. Porém, depois que li o livro de Gonçalo, posso dizer que tenho outro escritor português pra acompanhar!
Valeu a dica, tanto esta quanto a da matéria sobre o Autor. Obrigado
Forte Abraço
Vejo nos livros de Gonçalo a expressão dos personagens como ideia; não como meras representações das ideias, mas corpos-ideias-mesmo - não há espaço para subjetividades nesses personagens que não sejam nada além do deslocamento das ideias que são. Assim, trata-se de literatura que não possui associação possível com o "realismo" literário, mas com a construção do espaço literário como lugar-mesmo em que as palavras compõe um mundo que, não sendo à parte do realmente-existente, existe não como mímese do último, mas como sobreposição e comentário distante dele, sendo, paradoxalmente, uma forma de aproximação, brutalmente intelectualizada, ao realmente-existente. Se examina a questão da potência como expressão do humano e vendo resultados aleatoriamente destrutivos na realização da potência, Gonçalo penetra de forma obcecada, obsessiva, na questão da extinção, no ser-para-a-morte que, em sua negação, afirma a vida como potência, porém dedicada à destruição das outridades, potências mais fracas, quando vencidas, potências mais fortes, quando aliadas, potências invencíveis, quando a elas um homem, por exemplo, Klaus Klump, sucumbe, e assim as espelha. Um livro bastante perturbador, né?
Olá!
Hoje eu queria compartilhar com vocês o trailer do livro “INUTAOSHI – A Presa do Lobo” que está disponível no youtube : http://www.youtube.com/my_videos?feature=mhum .
O livro acabou de ser lançado, trata-se de um romance sobre a sociedade medieval japonesa. A capa, o capítulo 1 e a venda estão disponíveis somente no site: http://www.clubedeautores.com.br/book/42848--INUTAOSHI . O mesmo pode ser comprado impresso ou no formato digital Ebook (para leitura digital). Esse livro foi um dos finalistas do Prêmio SESC de Literatura 2009.
“O Destino é Inexorável”.
Atenciosamente
Robson André
O link certo para o trailer é esse:
http://www.youtube.com/watch?v=BWTIuk2L7cU
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